Se eu não tivesse ventosas grudadas por todo o meu corpo, nadaria para o infinito. O infinito fica aqui perto. Tenho um buraco na parede, um pouco acima do limite de minha cama, por ele vejo traços retilíneos que se expandem numa gigantesca tela. Penso que é o sol. O sol mora no buraco escuro de minha parede. Pequenino. Tenho dedos muito grossos, já tentei tocar o sol com o dedo mínimo. Acabo fazendo cócegas em sua barriga. A criaturinha ri. Fico vexado por não ser criança, por não ter as mãos pequenas, por não ter aqueles brinquedinhos pequenos, com os quais poderia seduzir o sol de minha parede.
Não posso mais contar aos outros que tenho um sol na parede, grudam-me mais ventosas pelo corpo.
Perguntei ao sol se já havia mergulhado no mar. Ele me disse que um sol de parede nunca pode abandonar sua origem, que a cal e a areia são a sua morada. Mas aguardava, esperava que o mar fosse trazido pelo buraco na parede de uma casa vizinha.
Perguntei se ele poderia pular para a outra parede e mergulhar no mar do vizinho. E à sua resposta, entendi que os raios que escapavam de seu calção de banho se encontrariam com as gotas d’água que escapavam das calcinhas espumantes. Ali, fora do buraco, como se realmente fossem livres. No intervalo da malandragem.
Fiquei triste por conservar um sol em minha parede. Na vaidade de ser vírus e contaminar a luz. Eu queria aplicar ventosas no sol, nas águas do mar e, quem sabe, se tivesse sorte, na lua, nas estrelas... Meu sol ficaria fraquinho e o buraco de minha parede, finalmente, se apagaria. E eu não teria culpa. Poderia afofar meu travesseiro. Puxar as cobertas até cobrir minhas orelhas. Responder mal-humorado para os visitantes a minha porta. Agradecer a um ente qualquer pela dádiva de estar prostrado. Não pensaria mais em minhas ventosas, talvez nem mais as sentisse. Não desejaria nadar até o infinito. E tudo, tudo, pareceria tão calmo.
Mas o solzinho continuava ali. Rindo de minhas cócegas. Um sol que esperava se banhar a um descuido do carcereiro. Ele não partiria, tinha gostado da minha parede. E eu já não o queria mais ali. Escolhi meu dedo mais robusto e furei o buraco, calquei com toda a dignidade, empurrei a luzinha para fora. Como uma rolha, destampei o buraco e o farejei com meus olhos curiosos. Meu buraco estava limpo, escuro, profundo.
Não soube de seu fim. Não soube se chegou a encontrar o mar. Sei de mim. Continuei amigo de minhas ventosas. Um travesseiro fofo e amarelado para me recostar. Uma coberta certa para não me molhar dos respingos daquele mar que pulou para o meu quarto. Desta vez, o abrigo não era o buraco, já o havia tampado. O mar residia em minha xícara de café. Balançava, balançava e tingia de azul a água escura. Balançava e me chamava para plantar um barco de açúcar em seu infinito.
O conto integra a obra O CENTAURO AMARELO. Ribeirão Preto: publicação artesanal, 2003.
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